Viagem
internacional é transpor a porta do aeroporto no embarque carregando
mala doméstica e o interior da casa no peito. É despedir da família
com dicas e apertos para não entrar em situação de sufoco.
Deixar
o namorado com promessa de pureza e celibatos foi a dose.
Escala em Dallas, sem a bagagem, fumei um cigarro do lado de fora do aeroporto e vi uma revoada de corvos barulhentos povoando minha nublada sensação despedida.
Você
chega no estrangeiro e as providencias primeiras somam o dobro do
dinheiro, você se julga burro por não calcular.
De
primeira viagem coisas como o bilhete do ônibus para o mês, pen
drive enquanto não perder, pilhas, são troco.
Estar
numa homestay tem a vantagem das dicas de sobrevivência, consumos do
provisório a preço bom em estabelecimentos como loja de
departamento, afastado do centro, que se chega com o carro deles, um
atalho.
Mas
brasileiro diz: “quem converte não se diverte” e assim gastei
feliz no primeiro dia o equivalente a um sexto do meu budget. Pelo
desfalque dos próximos meses brindei com café da Starbucks. E grata
pelo ritmo acelerado da minha momstay, entrei no mercado da galeria
com vontade de comprar nossas frutas de inverno.
1
kg de castanhas de caju e brasileirinho de Maria Bethânia foi meu
presente do Brasil.
Queria
comer cashues com eles, me senti enganada na loja de departamento,
por não comprar shampoo, sabonete e pasta de dente.
A
realidade é que eles acham que quem faz intercâmbio é muito rico e
desfrutam do dinheiro da acomodação minha em troca da cultura
deles.
Porém
ficava no porão, aprendi naquelas de pronto em inglês como lavar a
roupa na área de serviço, frente a meu quarto na casa
pré-fabricada.
Tinha
uma chave do portão do quintal e outra da entrada de baixo que eles
também usavam. Momstay me explicou as trancas na saída, falou que
trabalhava na CityHall, prefeitura, fumamos um cigarro juntas e me
recomendou o DuMarrier.
Senti
independência. Apesar de fumar 1 cigarro fracionado por dia.
De
manhã coincidia meu horário com a escola da menina, sua filha, e
conseguia tomar cereal com morango desidratado com leite.
O
pai policial estava afastado do trabalho e cozinhava para todas no
final do dia. Tratava de comer cada pedacinho com bastante elogio e
pouca sacies. Com o passar dos dias e minha frequência na escola,
sempre presente, fim de tarde com frio e fome encontro a cozinha
trancada. E assim todos os outros dias.
Adorava
o lanche de criança de almoço, pão com nutella e pasta de
amendoim, todo dia, sem falta, sem suco! Comecei a reparar nos
lanches dos colegas do curso da ILSC, eram mais substanciosos ao
menos não era cup noodles.
Mas
tenho a característica de não modificar as coisas e me adaptar a
realidades, por isso aproveitava para tomar um suco na lan house,
usar o msn e email, fazer ligação com meu cartão para o Brasil.
Os
telefonemas sempre falhavam, decidi não gastar mais com cartão, nem
sabia da existência do Nextel muito menos da portabilidade. Fui
deixando de narrar minhas descobertas para a família e o namorado
ligava sábado de manhã na homestay.
Acordava
todos os dias sozinha, quase não via mais a menina na casa, subi na
cozinha e comi apenas um pote de cereal, com vontade do segundo mas
entendi que era fracionado.
Acordei
com neve e os meus passos foram os primeiros a deixar rastro naquele
março.
Neste
momento comecei a atravessar a ponte para escola a pé, o ônibus era
quentinho mas eu tinha mais tempo para ouvir música com meu diskman
e ver os trabalhadores civis, loiros e lindos;
Sentia
falta de amigos, mas pensei em ficar longe dos brasileiros, mas como
não ser amigo de brasileiro? Havia grandes grupos de brasileiros, só
observava, porque não tinha identificação nenhuma em ouvir Jamil e
uma noites, que conheci por eles, ou alugar limosine para ir em
balada de brasileiros.
Estava
em Vancouver, Canadá mas viver a vida dos nativos também parecia
ilusão.
Um
dia ia ao shopping com uma colega que saia com muitas sacolas da Gap
e eu de mãos vazias, outro dia ia na loja de maconha e pipe com o
pessoal que fumava maconha verde florescente, maravilhosa no cachimbo
num barzinho para acomodar e lucrar na larica.
Não
estava feliz! Voltava para casa e ainda encontrava a cozinha fechada.
Minha
família era de descendentes de britânico, na colônia de British
Columbia, mas quase não participei de seus programas, só no dia que
cheguei para compras pedi e eles que me deixaram um livro de grandes
poetas ingleses e americanos que lia e traduzia diariamente como John
Keats, T.S.Eliot, E. Cummings.
Estava
estranhando muito ficar sozinha, as trocas esporádicas de e-mail com
minha irmã Mariana eram confissões do meu espírito e ela enviava
frases de Cioran. A foto do ano novo que passei junto a amigos e
irmãs era a força para continuar e querer voltar: Saudade.
Visitei
o bairro de assistência social com travesti com plástica de quinta
que o deformou, salões para injetar heroína até a morte, mendigos
bem vestidos em relação ao Brasil, por causa do frio.
Cioran
permitia a leitura dos que vagavam naquele reduto em um amparo
sagrado, social e mundano.
Voltava
para casa vendo elásticos no chão, parava no boulevard e me
purificava no bairro náutico banhado pelo Pacífico, com muitos
barcos atracados na costa.
Esquecia
da fome, na rua não queria gastar muito dinheiro, queria deixar para
esquiar ao ver todos os dias o cume da montanha com gelo, Whistler. .
Os
totens nos parques começaram a me impactar no monumento que busca
raiz.
Nas
andanças descobri o cinema Paramount, entrei e assisti a Nanny
Macfee.
Emma
Thompson, inglesa protagonizando, criou um mito acerca da minha
momstay.
Mudei
de casa, queria comer melhor e fui para um bairro nobre, casa grande,
quarto com cama queen e calefação.
Assistia
televisão com a filipina, fui para Whashington com ela, suas filhas
eram carismáticas e compartilhei o andar debaixo com uma japonesa.
O
grupo de brasileiros e suas baladas não me interessavam, as
filipinas eram bem dadas, os japoneses homens mudava o mês abria
outras classes e eles ficavam com a mesma professora fiéis e
afeiçoados, as japonesas não se separavam de seus tradutores e
provisões, as mexicanas eram bonitas e se agrupavam como os
brasileiros, os europeus sabiam de seu glam.
Fiz
compras em downtown, joguei bilhar, ia em loja de discos tudo
guardado até hoje.
Meus
amigos eram Fabi, Wilton e Walter...todos insatisfeitos com a Disney
World protestamos em um pub com grandes pints e torcedores de
futebol.
Fabi
era noiva e queria promoção na empresa, dominando o inglês, Wilton
era noivo queria conhecer de tecnologia, Walter queria ficar comigo
na falta de levar bronca de seu chefe no Brasil e termos uma
experiência juntos de durões em Vancouver, com visto de estudantes.
Fomos
para Whistler. Eu não tinha luvas de tactel e Fabi estava mal
agasalhada.
A
montanha nos jogou, cada um de nós separados fomos explorar as
descidas.
Eles
foram de snow board eu e Fabi ski nos vimos no final, gelados e
cheios de adrenalina.
Fiquei
com medo de perder a mão, que estava enrugada e congelada.
Fabi
aqueceu minha mão entre as suas. Um dia não vi mais Walter, me
arrependi de não ter feito parceria, em nome de um celibato e Fabi
foi para Toronto.
Continuei
meus passeios...peguei um ferry boat e fui para Ilha Victoria.
Via
gaivotas voando ao lado com o vento gelado e pinheiros na orla.
Chegamos,
o guia me levou até uma parte, falava, mas resolvi mandar postais
para meus pais.
Na
ilha Victoria, separada da excursão, entrei numa loja de
departamento e me deslumbrei com um relógio da Roots, perdi o
horário de volta e a excursão..
Pedi
para uns meninos bonitos que esperavam também a volta para Vancouver
para ajudar a ler o manual do relógio, entrei no ferry boat e
conheci um japonês que fazia universidade da British Columbia e
aproveitei o restaurante do barco numa conversa que me pareceu que
era o começo da viagem.
Mas
o conselho da escola ficou preocupado comigo, ligaram para o Brasil.
A conselheira pegou os dados do cartão de crédito do meu pai,
comprou minha passagem.
Aya
a japonesa que compartilhava a homestay, com quem assisti O Sorriso
de Monalisa num combate para ver qual das duas fazia melhor que Julia
Roberts, me fez um mini cartão rosa com corações minúsculos
dizendo que sentiria saudades e chorou.
Perdi
a hora e ganhei uma raiz numa província.