quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"Há fantasmas que andam dentro de mim."

Minha irmã chamou aquela temporada de “ano dos segredos”, mas agora, quando penso nisso, entendo que foi um tempo não do que existia, mas sim do que não existia. Um paciente certa vez me disse: “Há fantasmas que andam dentro de mim, mas nem sempre eles falam. Ás vezes não têm nada a dizer.”
Naquele verão, Sarah e eu convivemos com nossas lacunas. Ela havia se separado há pouco e as fichas ainda estavam caindo. Não me dizia palavra, mas seu rosto ganhava expressão de espanto subitamente. Havia uma compreensão indizível entre nós, ela ainda estava com pensamentos cíclicos convencendo-se e arrependendo-se do fim. Possível que a atitude do término tenha nascido de um comportamento impetuoso, daqueles que rompem o sentimento e se tornam decisivos. Enquanto que eu, na prática do trabalho e hábitos de homem solteiro, desvio das demandas de uma mulher, não me esforço em solucionar suas complexidades, só apoio. A fraternidade entre eu e Sarah se desfaz nos nossos traços individuais e assegura cada vez mais a nossa solidão. A distância aumenta a dor de cada um, ela que se percebe participativa da ausência no casamento e fora do casamento percebe a presença da falta de seu ex-marido; eu não engolfo os complexos de minha irmã porque tenho um lugar a ocupar. Sou irmão mais velho e sei as artimanhas dela em se sobrepor às situações. Ela age como vítima das circunstâncias e à isso não poderia compreender, para não equivaler a uma indignidade.
Na casa de campo de meus pais, já falecidos, a herança manteve-se, os móveis e a governanta que nos viu crescer. .As formalidades à mesa foi costume que ficou dos tempos de meus pais. Na noite que cheguei, avisei com antecedência Ágata, nossa governanta. Ela tem mania de fazer agrado, desde quando eu era pequeno, me mimou bastante porque se afeiçoou a mim. Assim preparou o peixe que gosto, daquela região, truta, com parmesão defumado e molho de maracujá para servir no jantar. Sarah sempre sentiu a diferença do trato, era boneca de mamãe mas de Ágata era eu o queridinho. Nesse tempo de transição, de casada para solteira, fora da sua casa que levava uma vida conjunta e sem agrado estava um pouco carente e com os pensamentos confusos:, como quem quis se emancipar da própria vida e ficou só.
Durante. os acepipes fingiu bem mas no momento que Ágata serviu o prato principal e trouxe o vinho branco para estourar, Sarah sem motivos para a brindar, com um conflito interno e um ciúmes passional quebrou a taça de vidro entre seus dedos, derramando o vinho, cacos de vidro e sangue sobre o peixe servido em seu prato.
Saiu da mesa e da minha vida. Ágata adoeceu e esta cena encerrou para sempre as relações.
O afastamento ocorreu em família, naquela temporada a proximidade foi causa de distância ente nós. Cada vez que convivo com Sarah, constato que meu fantasma é a neurose feminina e o descontrole emocional que vivenciei com ela.
Isto me diz o vazio que me preenche.
Estabelecer relações afetivas com as mulheres para mim não me diz nada.
São os fantasmas que meu paciente descreveu que andam dentro de mim.



















terça-feira, 13 de novembro de 2012

tempestade

Não há quem regule o volume d’água.
Sem lástima se derrama sobre devotos.
Dia ordinário, águas turbulentas.
Cidade engolfada, coisas afundadas, pertences estragados.
Lagos intranquilos, rios expandidos e sem margem, correnteza de veículos de transito urbano
Aventura deslocada para o humano.
Goteira no teto alaga a sala, pesadelo desperto.
Garrafas coletam a infiltração, utilidade desvirtuada, reserva água que transborda.
Escorre a organização, escava o conforto, improvisa o fim.

domingo, 4 de novembro de 2012

Auto pista

Preto e branco concorrem.
Pneu de borracha embaixo,
homem em cima.

Destroços na marginal:
bicho, coisa, papelão;
vencidos,
carros ultrapassam e se cruzam.

Mantém-se adiante,
Avança e reflete no espelho quem vem
Ângulos convencionais, comboio sem líder.

História ao lado,
paisagem corre,
chuva escorre.

Para brisa enxuga à vista e espalha a água

Atenção,
contém o impulso,
neutraliza o peso e
diminui a velocidade.

Devagar à divagar: espaço lento no tempo.
Conduzido por montes verdes e terra vermelha
não há contraste com os pássaros
Sentimento de volume d’água represado.
deslocamento de emoção por chão percorrido.