segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eles sabem lá de fora

A vila não tem portão. Das crianças, só Daniela e Refaelzinho podem sair à rua de acesso ao mundo.
Rua com comércio, lotérica, movimento de carros e os ambulantes que por vezes entram na vila.
Para desespero das mães, contam histórias horríveis sobre os ambulantes e os perigos lá de fora, mas os irmãos que saem da vila são os bacanas da turma.
Sabíamos lá de fora, pela andança deles, os emancipados da rua; tinham sobre nós o direito da invenção, do conto com outros pontos de vista, mas o único que chegava e por isso dito como verdade.
Sentados no fundo da vila, onde tem um canteiro com flores comum em toda a cidade e que ladeiam qualquer lugar com vegetação, em roda, sentados no asfalto descuidado ao lado de folhas secas caídas da árvore Daniela e Rafaelzinho desenrolam histórias.
Daniela - E não é que troquei a raspadinha por dinheiro e tomei sorvete de crocante lá com seu Francisco. Aquela sorveteria é tão quente que parece vender sopa. E a calda de chocolate que endurece quando serve. Ela endurece porque o Seu Francisco monta a cobertura do sorvete com colheradas, uma a uma, até rodear toda ela como se fosse uma escultura feita à mão. Por isso a sorveteria mesmo quente não fecha as portas, porque o calor que você passa lá dentro é recompensado com o sorvete gelado. É a fórmula de sucesso de Seu Francisco.
Todos ouvem a história com respeito à Daniela porque ela conhece alguém lá de fora, sabe o nome e os detalhes do estabelecimento.
Rafaelzinho – Montaram uma rede de volley na vila ao lado, um amigo me convidou para jogar com eles, mas conhecendo só ele não tem graça montar time porque não sei quem são os melhores jogadores e perder uma partida talvez não recupere na revanche, porque a partida é longa e leva tempo para pegar jeito e saio de lá como perdedor.
Todos sentados em volta invejam a mãe dos dois, queriam eles ver essas coisas.
Felipe fica na dúvida de atacar uma pedrinha em Rafaelzinho, cria coragem e lança. Rafaelzinho até gosta do gesto porque Felipe é o mais frouxo da turma, mas logo depois olha efusivamente e deixa Felipe de novo na dúvida, entre culpa e o acerto.
Giovanna a mais alta e corpulenta ganha por si autoridade no assunto do volley, gosta de jogos com bola, tem jeito com os lances e diante da turma deixa claro que é com ela que se forma um time. Imagina na vila deles uma rede de volley. Compra com orgulho a idéia da vila ao lado e motivada, ouriça a todos a fazerem o mesmo, comprarem uma rede para eles.
A mais baixinha de todos, Mariana, se posta firme ao lado de Giovanna, acredita ser ágil e habilidosa no esporte, está dentro do plano de terem uma rede como adversária à altura num jeito amistoso.
O dia vai caindo, um fiozinho de claridade alaranjada chama a molecada a voltarem para casa e tomar um banho, ajudar suas mães com as provisões do jantar...
Seu Henrique vem chegando, como sempre, para fumar seu cachimbo sentado ao pé da árvore num tronco cortado dentro do canteiro. Faz seu banco e parece parte da paisagem do fim de tarde. Fica lá tempo indeterminado, ninguém sabe se ele fica lá só para fumar o cachimbo ou toma mais tempo para explicar seu olhar. Não espanta ninguém, chega com um camaleão se adequando ao que encontra. Como um mestre, sentado em nível superior ao das crianças, tomam ele por ouvidos e uma fala nem de cobrança como das mães, nem de distancia dos ambulantes e nem de medo das vizinhas velhas corocas.
É alguém que dá vida a vila de maneira plácida.
Alguns levantam e vão embora para casa, Daniela e Rafaelzinho numa zoeira, brincam na réstia do dia, como baderneiros sem obrigação e poucos outros ficam ao redor de Seu Henrique, fiando uma conversa e mesclados à paisagem.
Vê-se de fundo da vila uma silhueta de homem vindo da rua movimentada. Anda com trajes que arrastam no chão e cabelo desgrenhado. Os pequenos sentados envolta do tronco não fazem contato visual e Seu Henrique por cima, mira o sujeito estranho, que parece andar sem propósito. Conforme avança, encurrala eles, que estão no canteiro e ficam sem saída. Até que finalmente o estranho bate a porta de uma casa no meio da vila.
Queria um copo d’água.
Desaparece na rua movimentada, sem mais luz do dia.
Todos entram em casa.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

pirotecnia

Não conseguiram ficar sem resposta
Um apontado ao outro, limitaram-se à espera
O vácuo da correspondência foi carcomendo as unhas pela impronunciada boca
Os lábios colados enrugavam a parte de cima numa descompostura
Humilhados como um papel em branco ao lado do telefone, rabiscado desenhos de linhas que se ligam sem notícia
Partida pregada, falha silenciada
Sem educação, redundância ignorante era o saber sozinho
Serviram à não-convenção
Antecipados fervilhavam a desgraça um do outro, num caldeirão, a cocção de absoluto rancor
Quentura de um caldo espesso e fugidio de temperamento arisco
Repentina prontidão, espirrava do lume o bico de um candeeiro a agudeza de sentido
Pinçava na atmosfera entre os dois a treva que fulgurava relâmpagos
Vislumbravam a vingança inesperada
Compreendiam o estabelecido por terceiro e não iria refutar eles, oprimidos e agitados
A falta de sinal advertia manifestações precipitadas, que excedia
Instaurou-se a contestação, defendendo-se um do outro por motivo ausente causa da própria destruição deles
A retaguarda parecia ser o desígnio, mas a falta de resposta desmontava exército
Enquanto terceiro adiava a aflição destes
Um deslumbramento horrível os faziam derrubar pontos fortes, arrogantes, da superioridade de uma face pálida, gentil e de nariz empinado
A eloquência do inexistente discurso era corrosivo e os afetavam
Era o germe da discórdia que os unificava
Por isso enganos involuntários era ascenção ou queda
Das opções, amnésia de alternativas: continuidade fragmentada
A plano era a ideia por trás da prática, fundamentado numa chispa, ceifavam um seara
Na porção de terra cultivada enfrentavam tempestades no deserto, solidão turbulenta
Sozinhos, identificavam-se e interceptava ira de tempos em tempos
Manhas ardilosas perfuravam o espírito de hálito fresco
Um ânimo rabugento propagava mau humor
Ar denso e pesado, respiração curta, gestos cortantes contrastam o ser e o não ser
Inspiração de combustível decomposto, fuligem e embotamento que se agarrou nas paredes da traquéia
No fundo um gosto, uma nota aponta vitalidade
Como um fole encontra ar por seu pescoço esguio

sábado, 12 de janeiro de 2013

combinado de limítrofe e excedente

O ritmo da magia marca tic tac no relógio
Dito o silencio, a ausência de palavras
duas escolhas a cada segundo; imagine um elefante branco no quintal de uma casa americana
Inevitável stress, ao invés veja o brilho das estrelas: ridícula contemplação.
De fora estaca de olhar fixo, pupila aberta repousa no escuro, depõe juízo
De dentro, transtornado, como um louco o erro é seu acerto
Sentimento urgente pede perdão à falta de crença;
adoração estilhaçada, a plenitude vulgariza o estado
Blasfêmia à pátria, ao sulco umbilical e às pancadas
Envergadura desrespeitosa à considerável autoridade
Agressão seguido cicatrizes: rastros do súbito, sob olhar cauteloso; lembranças e recordações
Beleza inútil, transfigura-se em inteligência, seu aspecto ganha valor
Nas curvas emocionais, o envolvimento com a vivacidade: desgastada, ordinária
É o êxtase e o desprezo pelo dia
Ser próprio, procurado, derivado, transmitido, regressivo, proveniente, ter origem?
Basta!