quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"Há fantasmas que andam dentro de mim."

Minha irmã chamou aquela temporada de “ano dos segredos”, mas agora, quando penso nisso, entendo que foi um tempo não do que existia, mas sim do que não existia. Um paciente certa vez me disse: “Há fantasmas que andam dentro de mim, mas nem sempre eles falam. Ás vezes não têm nada a dizer.”
Naquele verão, Sarah e eu convivemos com nossas lacunas. Ela havia se separado há pouco e as fichas ainda estavam caindo. Não me dizia palavra, mas seu rosto ganhava expressão de espanto subitamente. Havia uma compreensão indizível entre nós, ela ainda estava com pensamentos cíclicos convencendo-se e arrependendo-se do fim. Possível que a atitude do término tenha nascido de um comportamento impetuoso, daqueles que rompem o sentimento e se tornam decisivos. Enquanto que eu, na prática do trabalho e hábitos de homem solteiro, desvio das demandas de uma mulher, não me esforço em solucionar suas complexidades, só apoio. A fraternidade entre eu e Sarah se desfaz nos nossos traços individuais e assegura cada vez mais a nossa solidão. A distância aumenta a dor de cada um, ela que se percebe participativa da ausência no casamento e fora do casamento percebe a presença da falta de seu ex-marido; eu não engolfo os complexos de minha irmã porque tenho um lugar a ocupar. Sou irmão mais velho e sei as artimanhas dela em se sobrepor às situações. Ela age como vítima das circunstâncias e à isso não poderia compreender, para não equivaler a uma indignidade.
Na casa de campo de meus pais, já falecidos, a herança manteve-se, os móveis e a governanta que nos viu crescer. .As formalidades à mesa foi costume que ficou dos tempos de meus pais. Na noite que cheguei, avisei com antecedência Ágata, nossa governanta. Ela tem mania de fazer agrado, desde quando eu era pequeno, me mimou bastante porque se afeiçoou a mim. Assim preparou o peixe que gosto, daquela região, truta, com parmesão defumado e molho de maracujá para servir no jantar. Sarah sempre sentiu a diferença do trato, era boneca de mamãe mas de Ágata era eu o queridinho. Nesse tempo de transição, de casada para solteira, fora da sua casa que levava uma vida conjunta e sem agrado estava um pouco carente e com os pensamentos confusos:, como quem quis se emancipar da própria vida e ficou só.
Durante. os acepipes fingiu bem mas no momento que Ágata serviu o prato principal e trouxe o vinho branco para estourar, Sarah sem motivos para a brindar, com um conflito interno e um ciúmes passional quebrou a taça de vidro entre seus dedos, derramando o vinho, cacos de vidro e sangue sobre o peixe servido em seu prato.
Saiu da mesa e da minha vida. Ágata adoeceu e esta cena encerrou para sempre as relações.
O afastamento ocorreu em família, naquela temporada a proximidade foi causa de distância ente nós. Cada vez que convivo com Sarah, constato que meu fantasma é a neurose feminina e o descontrole emocional que vivenciei com ela.
Isto me diz o vazio que me preenche.
Estabelecer relações afetivas com as mulheres para mim não me diz nada.
São os fantasmas que meu paciente descreveu que andam dentro de mim.



















terça-feira, 13 de novembro de 2012

tempestade

Não há quem regule o volume d’água.
Sem lástima se derrama sobre devotos.
Dia ordinário, águas turbulentas.
Cidade engolfada, coisas afundadas, pertences estragados.
Lagos intranquilos, rios expandidos e sem margem, correnteza de veículos de transito urbano
Aventura deslocada para o humano.
Goteira no teto alaga a sala, pesadelo desperto.
Garrafas coletam a infiltração, utilidade desvirtuada, reserva água que transborda.
Escorre a organização, escava o conforto, improvisa o fim.

domingo, 4 de novembro de 2012

Auto pista

Preto e branco concorrem.
Pneu de borracha embaixo,
homem em cima.

Destroços na marginal:
bicho, coisa, papelão;
vencidos,
carros ultrapassam e se cruzam.

Mantém-se adiante,
Avança e reflete no espelho quem vem
Ângulos convencionais, comboio sem líder.

História ao lado,
paisagem corre,
chuva escorre.

Para brisa enxuga à vista e espalha a água

Atenção,
contém o impulso,
neutraliza o peso e
diminui a velocidade.

Devagar à divagar: espaço lento no tempo.
Conduzido por montes verdes e terra vermelha
não há contraste com os pássaros
Sentimento de volume d’água represado.
deslocamento de emoção por chão percorrido.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

sem fim um fim

Cabia em certas ocasiões, era atraente.
Foi muito desejado e cumpria esse fetiche aos olhos de quem o visse.
Não era comum, costumeiro do cotidiano. Tão distinto, ficou distante.
Guardou –se no fundo, esquecido. Entre os outros era o mais rebuscado, tipo único.
Acompanhado, vivia em conjunto uma solidão do seu vazio existencial.
Era oco, sempre a espera de alguém a quem pudesse completar-se.
Pertencia somente a uma pessoa, a seus caprichos e exibicionismo.
Não o emprestava, em grande consideração a estima egoísta deste adorno.
Mantinha-se conservado para efeito de aparência, mas o tempo e a moda não esperariam.
Queria sair, desfilar, passar a confiança conferida a sua utilidade de índole fútil.
Era para um fim que se mantinha, porém no escuro, fechado, guardado e postergado, concluiu que fora menosprezado, justamente por seu excelente acabamento.
Raras ocasiões ocorriam para sua finalidade.
Assim , esse par de sapatos diferente, conviveu com os comuns, mas sua condição se tornou incabível e não encerrava mais nada em si, só o ar.
Desse compartimento de ar ficou cheio de um sentimento de ausência.
Desprovido de pés para calça-los, serviu para ocupar espaço e ser ocupado por nada.
Em vão, o estilo a quem serviu uma vez, agora imputou a perda.
Desprovido espera o dia de ser despejado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

idade avançada

Ouve o que quer e o impróprio lhe interessa.
Escarafuncha com limites a vida dos outros.
Se indispõe com a dependência, estende-se o necessário.
Tem educação na medida que se posiciona sem grandes alardes.
Discreta, ocupa o que lhe é concedido.
Pele fina, rachada, veias verdes azuladas. Tremores, enxaqueca, intensa dor nas têmporas. Apoia-se em sua próprias mãos imprecisas.
Incomodo costumeiro, cerra os olhos para cessar.
Dia a dia usa sapato de salto baixo, meia três quartos em qualquer temperatura.
Palavras cruzadas, nível cobrão. Descobre muitas palavras, não conta histórias.
Rotina indefectível a sua maneira conta seu modo.
Tem vida longeva, mas distante de hábitos saudáveis.
Caminhar e tomar sol não lhe agrada ao invés, mofa na poltrona.
Rejeita verduras, legumes e saladas, gosta de pasta.
Não absorve muito líquido.
Óculos ensebados mostra o que não pode ver.
A cada aniversário não sabe se chora ou se ri.
Sua gratidão pela festa quase dispensa o motivo.
Tem um medo que não cabe em si.
O brilho de seus olhos expressam um enigma.
Por que está aqui?
Quem mais amou já se foi.
É muito querida e doce.
Também velha ranzinza.
Dorme vendo televisão.
Suas dificuldades pioram.
Não é fácil a vida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mãos frias de defunto levanta arca com as próprias cinzas.
Veias inviáveis articulam-se no irreal.
Corpo opaco inaugura vida da morte.
Abatimento físico mescla em seu amarelado a putrefação dos fundamentos.
Suporte do estado terminal engaveta questões.
Lágrimas corrompem o embalsamento, mas correm soltas como doença virulenta.
A morte é o êxito, em termo de saída.
Substância morta vive, doa-se, desintegra-se, decompõe.
Existência do fantasma positivo.
Pegadas vultuosas tracejam uma silhueta, do espaço em branco uma biografia.
Desamparo corporificado na penúria de respostas do futuro.
Presente ausente, marca o tempo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Corpo máquina

Antônia é uma mulher alta, pernas compridas saindo de quadris largos. Caminha desajeitada pelas ruas, as costas largas se inclinam um pouco para se ajustar ao tamanho médio da população.
Desconfortável como qualquer um, utiliza-se de disfarces que foram incorporados à seu jeito. De relação íntima com os objetos percebe-se um rebuscamento de hábitos, e em situações que se sente ameaçada, recorre a sua mania de alisar e envergar os cílios para cima, trejeitos que realçam um charme peculiar.
Enriquecida de detalhes, portadora de uma agenda descritiva de atividades, cumpridora de datas e prazos e precavida chegou o dia de apurar junto com o mecânico a revisão de seu carro: checar o nível de óleo, água, fluído dos freios, da direção hidráulica.
O veículo é a extensão máxima de sua intimidade, usado para trabalhar, passear, carregar pessoas queridas e coisas. Trabalha em São Paulo e mora fora do município, por isso seu veículo sempre munido para suprir pequenas necessidades e pequenos prazeres para essas viagens cotidianas.
O carro ficou na oficina e ela foi embora listando novos itens na sua cabeça.
Pelo período que seu carro esteve retido, tomou ônibus, fez caminhadas e cumpriu a falta do veículo. Esquadrinhou ideias, oxigenadas no bater de pernas, circulou com uma nova mente, passou revista a locais antes percorridos no automóvel e correu com seu corpo máquina.
No horário de almoço, gostava de ver o mar de pessoas esperando cruzar a rua. De sua altura e distância do outro lado observava a ansiedade de alguns, conversas entre homens de terno, alguns olhando cada carro que passa assim como máquina de escrever, que retoma o ponto inicial, chega ao fim e retoma novamente.
Plantada sobre suas pernas, um reboliço próprio de quem é contido de seu ímpeto, que ao sinal verde, atravessa a rua provocada.
À medida que avança, criaturas vem em sua direção, figura que contém homens das mais variadas estaturas, cabelos e roupas.
O mar com seu fluxo de cabeças diversificadas, os atarracados realizavam seu desejo, desses com muito ou pouco cabelo, curto ou comprido, preto, castanho claro ou escuro, loiros, carecas.
A cada passo firme e largo era como se engendrasse como uma boca voraz, uma cabeça de homem para dentro de suas partes baixas. Seu assoalho pélvico tinha a sensação de uma massagem imaginada e excitante que a fazia deslizar em direção ao meio fio.
Equilibrada em seus saltos, movimentava em sua caminhada uma série de músculos que contraiam e descontraiam e a encaminhavam a um delírio.
Sua travessia, desengonçada, deglutiu múltiplas cabeças, porém não concreto quanto o asfalto, que esgueirou para atingir olhares.
Mas reteve na retina, imagens e fluidos escorreram embaixo, sinal de saúde.
Repousou, instantes inteiros, suas costas sujeitadas.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cantar no chuveiro

No box, cercado de vidro e azulejo, a intenção é trincar.
Fechado num recipiente molhado, escorrega tons em meio ao translúcido.
Solta uma canção exagerada, escandalosa e calorosa assim como o bafio da água quente.
Janelas são expressões do íntimo, solta do revestimento do box o interior do ser.
Se enxagua entre ídolos, deixa escoar a voz, encontra e perde afinação.
Ao se lavar gira, vira e do centro do diafragma, contrai e expressa descontraido.
Se mostra escondido, uma sintonia com si que escapa pela beiras da porta do banheiro.
No espelho embaçado, que não reflete, segue a canção sem crítica.
Gargarejo, boca do palco de platéia invisível, sensação de astro.
Performance sensacional regulada pela torneira, enquanto derrama água verte o show.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Instruções para dormir em pé

No ponto de ônibus, no ônibus, no balcão de atendimento ao cliente, na cabine de xérox da universidade, na cantina erma, depois da boia fria com a enxada na mão.
O primeiro passo é conferir o local que se encontra, deve estar despovoado.
Segundo passo, a imobilidade, sobre os pés a variação e inclinação do corpo devem ser mínimas e imperceptíveis, para concentrar-se na soneca, nada de movimentos abruptos e discrição no relaxamento.
Terceiro passo é o ato de dormir, o sono é uma força da natureza que nos ataca fora de hora, deve manter a atenção aos dois primeiros passos para não deixar os outros verem você pescar.
São alguns locais que isto pode ser feito e atenção ao caso de ser pego de surpresa; disfarça.
Perceba que dormir de pé requer treino, pois é um ato desperto que descansa.
Você irá dormir em pequenos momentos, terá pequenos sonhos no lugar em que se encontra.
Como não é constante dormir em pé, afinal você despencaria, o sono fragmentado ajuda a descansar dentro do possível o contato com o impossível.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como entrar pelo buraco da fechadura

Com a chave em punho, ouve-se o trilar do molho. Assanha quem está do outro lado, o cachorro fiel que abana o rabo, a esposa ansiosa, bem vestida, de salto alto e maquiada os filhos carentes de respostas sobre para o que serve isso e aquilo, porque assim e não assado, do pó do chão à órbita no espaço.
Do outro lado, sobre o capacho, seu nome interrogado pela esposa é de praxe: por vezes surpresa, quando fora do horário, outras vezes desconfiada de ladrão.
Sempre uma espera, dias bons, dias ruins, porém jamais indiferente.
Através da soleira ele transpira a rotina e a porta é a quebra do habitual.
Num gesto atropelado, chave em punho na mira rebaixada, deixa-se conduzir pelo segredo soprado da fechadura.
Primeiro cola o ouvido na fechadura e ouve um sussurrar, impassível espia.
O segredo é compartilhado quando sugado para dentro.
Entre dentro e fora da casa, vai para o local que a chave ocupa.
No espaço minimiza o turbilhão que encerra o dia.
Na fronteira inaugura o fim.
No principio se debate, as proporções não são conhecidas.
É tão íntimo que estranha o local. É tão seu, que se perde de si.
Nada pode intervir no manuseio da maçaneta, mas é decisivo na permissão de quem entra ou sai.
É guardião da mitologia doméstica.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Acordar muito cedo

Acordar muito cedo é um poço que vai do escuro para o claro, trazendo da fonte, a luz inaugural.
O encontro com a manhã cumprimenta os pássaros em mutação de turnos, modulando seu sibilado.
Raios solares rompem cortinas, descobre com a incisão de luz, direta e indireta, pela fresta ou tecido.
Em casa, a poeira a pique, na rua, motores aquecidos.
Do corpo, estado pacato, olhar vagaroso, movimentos sem pressa preparando-se para o ligeiro ataque da natureza, o Sol.
Sem educação, o golpe do dia dissemina o aroma do café e pão. Sentado a mesa, límpido e fresco, bebe um copo d’água e suja as mãos ao folhear o jornal.
Com repugnância pensa no disparate dos fatos noticiados.
No meio do café, pensa no seu dia do fim ao princípio.
Sem ensaio sai. Entra na cidade.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

retocar as unhas e maquiar-se, para você meu bem.


Eu não ligo. Vejo a balconista pegando seu cartão entre suas unhas de cores escandalosas e indecorosas. Obsceno meu ciúme, minha vergonha sem revestimento, uma fenda que dilata minha insegurança. Preciso retocar minhas unhas, revestir a única parte forte do meu corpo.

Queria pancake cor de múmia para ser indiferente a essas situações. Todavia, minha guerra. Pacífica, me maquio para outro, nossa guerra. Arredondo os olhos para recuar o conflito, nos bolsões deprimidos de ver que é igual a mim.

Meu rebolado encharca os olhos, mas a lágrima não escorre para não desarranjar. Uma marcação de kajal me delimita, para confinar o nosso amor. Numa ação extrema, pinto os lábios de vermelho. Encarnada e com culpa, amenizo nas maças do rosto um rosicler. Um sorriso nos cílios, envergados para cima.

No meridiano da vida fico dividida entre o juvenil e o mulheril. Uma máscara se forma e a zona fica livre para transitar nessas superfícies. No espelho sou minha testemunha e me sinto inédita dentro de casa.

No belvedere, cores que vibram, palavras que queimam e unhas craqueladas.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

descontínuo

Coisas acontecem sem notícias, mas com pistas.
A neurose é escolha sua, mas quando envolve àquilo que selecionou a única saída é ser maníaca.
De olhos vendados, tateia a realidade e consegue ver mais escuro que sua condição.
Indistintamente, o escuro vem a ser a pista em busca do fato.
Uma fugaz percepção é o acúmulo de aflição num volume de horror.
A partir do fato registrado da vigorosa linha imaginária, não se desfaz.
Na trincheira morde os lábios.
Sensibilidade que gela e rói, dói como bolso furado quando há de pagar a conta.
Circunscrita na fantasia, abandonar este estado extravagante é psicótico.
Ora! E se o fim fosse aqui? A interrupção:
O que não continua iria me perseguir com passos invisíveis,
ou simplesmente uma ruptura rígida me faria suspender o passado e deixá-lo atravessar sem resistência.
Não seriam livres de escoriação, habitaria ainda o medo, a dúvida, a perda.
O roubo, que justiça resolveria isso, se acontece às claras.
Vivo esquecida.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

janela para dentro

Aos dezoito anos Sofia conheceu Xavier de cinquenta e cinco anos.
Um homem abastado, de família tradicional e conhecido como possuidor de milhares de cabeças de gado.
Manteve Sofia em troca de sua beleza e juventude que foi se escondendo da sociedade local inclusive dos parentes mais próximos.
Temeroso de ser abandonado, sua atitude machista era o reflexo de sua insegurança.
Sofia só frequentava médicos do sexo feminino e se vestia com roupas taciturnas.
Dos quatro filhos nascidos do dono das terras, apenas um era homem.
Cresceram numa grande casa aos cuidados de funcionárias, enquanto Sofia cuidava de uma profunda depressão.
De dentro de sua solidão cercada, muito próxima do abismo social e da geração distante de seu parceiro. Tinha uma força pungente que assoprava o destino seguro dos seus.
Não vacilava na educação rígida e casta das meninas e não economizava na elegância e esperteza despertada em seu primogênito.
Mas doente da falta de alegria jovem, cenários coloridos e experiências doces, espetava todo o amor confortável e malemolente como um dedo indicador em riste apontado para o progenitor.
Sem saber que tinha escolha, ficou sem dúvidas e sua estima carcomida.
A casa foi reformada para refugiar as meninas.
Dormiam num quarto com a janela com vista para o lado de dentro e sem espelhos em seu interior.
Às noites eram trancadas para não saberem da desordem e privilégios do irmão mais velho.
Sem acesso a luz não tinham do que reclamar, eram filhas das trevas sem ciência de sua escuridão.
Os prazeres despertados era a leitura da biografia de santas.
A iluminação estava na proteção divina, uma vez que Xavier faleceu na juventude da prole.
Sofia conheceu o esconderijo e só sabia transmitir isso.
Mesmo com a morte de Xavier, além de taciturna, virou uma viúva sombria.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

insuficiência

A lei, a lei maior não me enumera.
Mentira!
O ilimitado, no conflito convencionado.
Histórico impresso nos materiais,
remetido à lembrança.
Alegria conservada.
Futuro sem código,
avança contradito à organização.
Ditames populares no fino trato,
concebem a lei mais baixa.
Pixada no chão, nascente no asfalto.
Insuficiência e remoção.
Teima competência,
Sem garantia, declara afirmação:
à dor, concreta.
Material de depuração.
Pedrinha de caminhão de carga na mão,
destino ao cimento.
Lisa, faz uma trança e deixa sua crença.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

guardinha

Vigilante noturno,
Ausente do sono, marcado pelo ponteiro,
este, local, que descansa a Terra.
Velam pelos outros para seus desvelos.
Se privam em prol dos prazeres privados.
Em sua inversão guarda o romeiro e o progresso.
Coopera com o gesto silente, cheio de idéias em seu útil fim.
Apitos diligentes. Rebatem: ladrar de cães e gatos estridentes.
Detecta a intenção do larápio e o confronta com seu coturno.
Acordado deixa os outros entrarem em estado de sono.
Alerta, pisca a consciência normal de todos.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

pele

A beleza depende da fresta.
Entre cortina preta frisada.
Dos fundos para frente e laterais de relance.
No meio para uma volta pelo todo.
Da frente aparente, o que se esconde e o que escapa.
Princípios comuns, ângulos diferentes.
Interposição interminável , dos pontos de vista militantes mudam sempre de posição.
Traçados em grafite se estendem ao infinito, contentam-se na lápide, sepultada pela pisada da mulata sambista e consagrada pelo anjo azul.
Apoiado sobre parapeito, a fortificação isolada estabelece uma zona livre, inclusive do fogo do inimigo.
É um inútil translúcido que nem suspeita de sua presença presunçosa.
Abandonado, se acha divino.
Orfão se agarra a gramática, narrador a partir de palavras sem corpo. Signos se desintegram, idolatria da astrologia.
Caleidoscópios reflexivos na subexistência calada.
No ofício de salvar a pele é autodetetive a procura de indícios para encontrar sua casa.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

não contém

Meu foco é igual aquilo que parece gás que sai da gasolina, existência etérea.
Sublimo o arranca rabo, porrada é em mim, sou porrada.
A mãe ardilosa, palavra de manta no meu inverno.
Fria, sem fome a observar como cão raivoso.
A recorrer sem arbítrio, imã de mãe atrai e me trai distraída.
A esquina aqui, aos solavancos nos becos de pedra.
Pedra tóxica no plexo, complexo reverso.
Sem propriedade, deveras sonhar.
Escalar a fantasia localizada numa geografia sem mapa.
A imagem aparece num instante de vida, no desejado sono da morte.
Abraços que confundem: necessários e ausentes.
Braços que carregam para o abandono, toma com as mãos para tirar.
No cheio sai de cena no vazio a se desprezar mas no entra e sai ainda respeita.
O olhar recai na quina, lá no alto, jogos de sorte e de azar.
Fixa, compenetrada se deixa modular...
Intensamente se convence que ver atrás de uma peneira pode ser tão relaxante.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

precariedade

Antes a dor da erosão.
Enquanto ponte ou pórtico sustentado, por uma série de arcos, flecha retesada.
Com direção, curvas acentuadas aumentam sua preocupação.
Como imaginação, não quer atrito.
Quer ganhar espaço, com velocidade. Livre de variação natural.
Tomada de uma sensação de repouso, se apresenta nula e isolada do mundo exterior.
Retorna ao movimento, perde e ganha peso, força e importância.
Sua travessia mistura física e metafísica.
Ora é sublime e sem hora, com propriedade, frequenta o obscuro.
Do sonho consumado à ferida infeccionada, corre a vida vaga e prevista num canal nervoso e cariado.
Com ciência e ignorância, sorri com brilho incrédulo dos desentendimentos para manter sua única sabedoria.
Mesmo sem luz em meio a raios e trovões.

quarta-feira, 28 de março de 2012

circo

Acima do bem e do mal, sobretudo um juiz: como um pêndulo que conta em suas horas mortas a bomba biológica do ser que vive, respira, transpira, inspira, transpõe, se opõe e pira.
Traços de falta de primor estimulam o labor.
Defeitos incorporados ligam corpos que exercem pressão, revertidos em estados de bem ou mal estar.
Avaliando causas de procedência de estado, imaginam-se cenários, afirmam-se hipóteses, tomam-se decisões.
Somos nossos próprios juízes e vivemos vigiados, nossa condução é influenciada, colaboramos para os limites e viramos carrascos no cárcere de nosso espetáculo circense.
O desequilíbrio cruza os constante e se apresenta o imperfeito, o não acabado...
...na arena de jogos públicos.

sábado, 10 de março de 2012

núcleo dessasociado

Partida,
início da desgraça motivada que engata enquanto conquista
A vista,
a lente embaçada a relancear o foco, reflete a luz ofusca o nítido
Corpo amorfo de célula
Pontos em deslocamento, dispensáveis raios vermelhos
Estalo da estática, retorno a si.
Estranho estar, quer a entranha do outro.
No centro do dessassosego, entre aqui e ali
Memória remota e próxima extirpada, destino ao deserto
Com a fecunda idéia de esperar a chuva secar

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

básico

O dia começa da estática a estética.
Uma ideia fixa um sorriso branco, mas frouxo.
Saída: subida, descida, direita, esquerda
Organiza e engrena na bagunça,
Portão, rua...
Mãos soltas, tenho a direção
Cabelo em desordem, cabeça conduz
Miro a antena, sigo os fios
A faixa, preta e branca
Passa um, passam vários,
Alguém olhou para mim
Mas eu vi ela,
E outro e um casal,
duas moças com o cabelo preso igual.
Uma buzina
Um palavrão
Uma revolução?
Uma respiração...
Ali, uma placa
Sigo....
Nada mais faz sentido,
Agora maquiada como o coringa.

Pedras

A dor da mágoa vem da percepção da indelicadeza do outro.

Quem atirou a primeira pedra, importa?

Mordido, o atacado sente-se magoado, logo no direito do ataque elevado a segunda potência, provoca a decepção ao agente da "indelicadeza".

Como uma faca de dois gumes, num faqueiro somente deste instrumento: causa e inconsequência.

O lado daquele que por uma vez foi indelicado e se encontra em desvantagem no ditado popular, “Quem atirou a primeira pedra?.

Logo, analisa a situação e provoca o estabelecimento de um acordo entre a primeira pedra que atirou e a inconsequencia da ofensa: a paz pelas desculpas honestas e recíprocas.

Para manter a igualdade e dissolver a agressividade.

Porém a casa sempre cai e a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.

Adultos razoáveis deveriam ter embutido de fábrica, falhas técnicas pois acordos que visam o perdão não estão viciados por mecanismos instrumentais e de dominação.

É um ciclo reintegrador, um rocambole de emoções, um redemoinho de atração,

Se por qualquer via é guerra, sejamos burros.