Ela conta de sua tia cega enquanto lembra da casa da infância com
folhas no chão, grama alta e escadaria. –Muito parecida. Diz
Histórias do passado também trazem infelicidade, lembramos da tenra
infância em festa mas acompanha o sentimento que se divide. Não falamos do que
desagrada mas está lá em alguma gaveta silenciosa, a desgraça não se conta pois
nunca se supera ao ponto da ironia de sua dor.
Olha, a tia cega era inocente, não sabia de nada e ainda assim era
enganada, mas sabia de quem desconfiar. Aquela casa trouxe tia Zumira.
-Olha, essa casa, com portão e acima grade de segurança, -Dá para o céu,
uma casa de frente para o oceano em SP.
- Que bom que tem essa praça vou fazer exercício.
-Agora me conta para que essas máquinas, para
quem não tem caminhão?
-É muito bom para os braços, alonga.
-Essa casa é chique.
- Mulher de bom gosto e marido
também.
-Certamente mulher com bom gosto, marido com bolso.
-Vamos escrever sobre as casas?
-Escrever sobre o chique não tem graça, mas se tudo que a gente imagina
não for escrito, não existe.
- A imaginação e a realidade, você precisa ler Pablo Neruda.
-Casava com Pablo Neruda, corria atrás de seu carro.
- Olha aquela casa.
-Malibu, essa palmeira parece coqueiro. Eles serviriam uns tapas.
-Nossa essa casa é minha cara.
Paramos. A casa era linda, de pedra, com escada um jardim acompanhando
entrada de vidro.
- A essa é a casa do vovô, entrada com mosaico russo, cadeira de
balanço.
-Essa é assombrada. Medo. Não é do sonho mas moraria nela.
-Essa é bem sem graça né? Salmão, porta bonita e só.
- Que cheiro é esse?
– Dama da noite.
– Tá, mas onde está a árvore?
–
Aqui, de flor amarela.
– Só conheço a lilás e branca. (cheirei) Tem cheiro de boneca menina
flor que usava toca.
– É.
-Olha essa casa! Um altar com vela e uma santa.
– Precisa fazer um
minuto de silêncio.
- E essa? Senta um jovem sem camisa
com fones de ouvido.
– A casa eu não sei, que menino bom. Sentava ali no sofá
com ele. Oi Tia.
– Precisamos tirar foto de todas essas casas.
– E o menino?
–
Fica na intimidade da nossa imaginação!
-Tem um cata-vento no jardim.
–Tem também dois pneus. Essa casa é de
doido. Olhamos dentro, muitas plantas na mesa de jantar
–De senhora.
– De senhora
doida varrida.
– De feirante, olha a barraca dela.
- E essa do fusca vermelho?
– Ah tem arquitetura legal, é de
pesquisador.
- Ah essa é a minha cara. Casa feliz. Que nem sua amiga que se
programou para ser feliz.
- Não posso andar nessa rua. Morava ali.
Andamos em silêncio, olhei para cima vi um homem, me assustei e dei boa
noite ela também deu.
-Achei que estava vendo assombração dei boa noite para confirmar que
era humano, parecia o Frankstein.
– Também achei, por isso dei boa noite.
-E essa casa?
– Essa parece do nordeste, bora ver televisão com a
vizinha Tia Maria?!
Voltando o percurso.
-Você ouviu? Você ouviu? Não via nada e gritos de homem.
– É aquele
homem na praça agonizando.
– Onde, não vejo, cadê? Vi, credo, ele vai morrer.
–Ei,
ei, (para o tio da casa da Tia Zumira) Ei, ei você é surdo?
Achei que eu estava
no além, com um homem agonizando na praça e um surdo assoviando em seu jardim
de grama alta.
-Você é muito frágil, se impressiona e pode não voltar.
-Eu grito, eu agonizo, mas eu volto.
- Tia Zumira era muito bonita e ficou cega, fizeram macumba com o cabelo dela. Inveja.
- A inveja só existe da propriedade do outro. Alguns querem o carro, nós a casa e levaram a visão de tia Zumira.
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