quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Corpo máquina

Antônia é uma mulher alta, pernas compridas saindo de quadris largos. Caminha desajeitada pelas ruas, as costas largas se inclinam um pouco para se ajustar ao tamanho médio da população.
Desconfortável como qualquer um, utiliza-se de disfarces que foram incorporados à seu jeito. De relação íntima com os objetos percebe-se um rebuscamento de hábitos, e em situações que se sente ameaçada, recorre a sua mania de alisar e envergar os cílios para cima, trejeitos que realçam um charme peculiar.
Enriquecida de detalhes, portadora de uma agenda descritiva de atividades, cumpridora de datas e prazos e precavida chegou o dia de apurar junto com o mecânico a revisão de seu carro: checar o nível de óleo, água, fluído dos freios, da direção hidráulica.
O veículo é a extensão máxima de sua intimidade, usado para trabalhar, passear, carregar pessoas queridas e coisas. Trabalha em São Paulo e mora fora do município, por isso seu veículo sempre munido para suprir pequenas necessidades e pequenos prazeres para essas viagens cotidianas.
O carro ficou na oficina e ela foi embora listando novos itens na sua cabeça.
Pelo período que seu carro esteve retido, tomou ônibus, fez caminhadas e cumpriu a falta do veículo. Esquadrinhou ideias, oxigenadas no bater de pernas, circulou com uma nova mente, passou revista a locais antes percorridos no automóvel e correu com seu corpo máquina.
No horário de almoço, gostava de ver o mar de pessoas esperando cruzar a rua. De sua altura e distância do outro lado observava a ansiedade de alguns, conversas entre homens de terno, alguns olhando cada carro que passa assim como máquina de escrever, que retoma o ponto inicial, chega ao fim e retoma novamente.
Plantada sobre suas pernas, um reboliço próprio de quem é contido de seu ímpeto, que ao sinal verde, atravessa a rua provocada.
À medida que avança, criaturas vem em sua direção, figura que contém homens das mais variadas estaturas, cabelos e roupas.
O mar com seu fluxo de cabeças diversificadas, os atarracados realizavam seu desejo, desses com muito ou pouco cabelo, curto ou comprido, preto, castanho claro ou escuro, loiros, carecas.
A cada passo firme e largo era como se engendrasse como uma boca voraz, uma cabeça de homem para dentro de suas partes baixas. Seu assoalho pélvico tinha a sensação de uma massagem imaginada e excitante que a fazia deslizar em direção ao meio fio.
Equilibrada em seus saltos, movimentava em sua caminhada uma série de músculos que contraiam e descontraiam e a encaminhavam a um delírio.
Sua travessia, desengonçada, deglutiu múltiplas cabeças, porém não concreto quanto o asfalto, que esgueirou para atingir olhares.
Mas reteve na retina, imagens e fluidos escorreram embaixo, sinal de saúde.
Repousou, instantes inteiros, suas costas sujeitadas.


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