quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como entrar pelo buraco da fechadura

Com a chave em punho, ouve-se o trilar do molho. Assanha quem está do outro lado, o cachorro fiel que abana o rabo, a esposa ansiosa, bem vestida, de salto alto e maquiada os filhos carentes de respostas sobre para o que serve isso e aquilo, porque assim e não assado, do pó do chão à órbita no espaço.
Do outro lado, sobre o capacho, seu nome interrogado pela esposa é de praxe: por vezes surpresa, quando fora do horário, outras vezes desconfiada de ladrão.
Sempre uma espera, dias bons, dias ruins, porém jamais indiferente.
Através da soleira ele transpira a rotina e a porta é a quebra do habitual.
Num gesto atropelado, chave em punho na mira rebaixada, deixa-se conduzir pelo segredo soprado da fechadura.
Primeiro cola o ouvido na fechadura e ouve um sussurrar, impassível espia.
O segredo é compartilhado quando sugado para dentro.
Entre dentro e fora da casa, vai para o local que a chave ocupa.
No espaço minimiza o turbilhão que encerra o dia.
Na fronteira inaugura o fim.
No principio se debate, as proporções não são conhecidas.
É tão íntimo que estranha o local. É tão seu, que se perde de si.
Nada pode intervir no manuseio da maçaneta, mas é decisivo na permissão de quem entra ou sai.
É guardião da mitologia doméstica.

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